segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Minha vizinhança - Velhice - Dinheiro

     Tive um fim de semana enlouquecedor. O sábado foi terrível mas acabou tudo bem, isso é o que importa. Os adolescentes e suas inconsequências. 
     Sai do meu estado de paz e amor. Eu moro debaixo de duas criaturas nefastas. Sempre trancadas dentro do apartamento fechado, espiando por entre as frestas das  persianas, jogando todas as manhas alguma coisa liquida pela janela, em boa quantidade, duas vezes, uma boneca grande e estranha na sacada. Semblantes fechados, pesados, velhas, grisalhas, feias. Qualquer ruído as incomoda, gente as incomoda, vida as incomoda. A mais nova e mais asquerosa, parece uma morta-viva, uma zumbi, reclama pela janela aos gritos, sua palavra preferida é mal educada. O que será educação para uma criatura que grita com os vizinhos pela janela? Que joga o conteúdo sabe-se lá do que, talvez de pinico pela janela? Que não diz um oi ou um bom dia, boa tarde? Que espreita a vida dos vizinhos dia e noite? 
     Se mudaram à uns dois anos, sempre as ignorei, geralmente nem lembro que existem mas eu estava nervosa. Exatamente quando sentei na sacada, aliviada, por tudo ter acabado bem, ouvi os xingamentos. Onze horas da noite e o barulho da porta lá embaixo abrindo e fechando para uma adolescente entrar alvoroçou a bruxa. Ela cuidou para ouvir qual porta de apartamento ia abrir e então gritou mas dessa vez escutou gritos de volta e eu grito muito alto - vá para o diabo que a carregue, bruxa, louca, vá morar no meio do mato se não gosta de gente, megera, vá te tratar com um psiquiatra, doente, ridícula... A criatura fechou a janela, deve ter levado um susto, esta acostumada ao silêncio como resposta, já fez barbaridades com a vizinha da casa do lado. Eu abri a porta do apartamento, tirei a guirlanda e bati com toda a força de que fui capaz. Me senti bem fazendo isso, por mais bobo que tenha sido. Devo ter acordado as outras duas velhas do prédio. Há muito tempo não sentia tanta raiva. Não gosto de me sentir assim. Mas passou, espero ficar um bom tempo sem ouvir, nem ver a criatura medonha.
     É chato morar num prédio pequeno, com oito moradores, sendo que quatro são velhas infelizes.  No apartamento de cima as duas zumbis, no da frente uma velha arrogante e no de cima desta uma velha chata, neurótica, rabugenta, que adorava me atormentar por causa do cigarro, dei um chega pra lá nela, é claro. Eu sei dos riscos a que me exponho, dos malefícios do cigarro e não fumo em cima de ninguém então não tenho que escutar m. O que se salva é o coroa mulherengo do andar de baixo, indo e vindo com suas mulheres, sempre educado e na sua. Se todo mundo fosse assim seria muito bom.
     Eu não sei se ficarei velha mas com certeza não ficarei velha como minhas vizinhas. Tem tanta gente legal com 65, 70, 80 anos, feliz, tolerante com as novidades do mundo, aprendendo, ensinando, se divertindo, eu quero ser assim.
     O dia esta parado e eu precisando de dinheiro, como sempre, vou fazer o procedimento no inicio de dezembro, quero deixar tudo pago até lá.
     Eu sei que algum dia eu vou ler isso e que nesse dia o dinheiro não será mais uma preocupação constante e o meu vizinho mais próximo estará à uns cinquenta  metros da minha sacada. Eu sei.

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