domingo, 16 de abril de 2023

O Rio

 Não entro aqui há tanto tempo, anos eu acho. Minha vida mudou tanto. E tenho trabalhado tanto. Não aconteceu a grande explosão. Não corri pela luz clara da manhã. Ainda não. O sol não voltou a brilhar. Ainda. O último dia já passou, faz tempo. 

Os últimos anos foram difíceis. Foram escuros e sombrios. Mas no final do ano passado colhi alguns frutos de  árvores que plantei. Nem lembrava mais e de repente os frutos caíram sobre mim. Eu os aceitei. Entrei em outro mundo. Lembrando agora, não sei de onde tirei coragem. Acho que do desespero, da absoluta falta de opção. Uma tábua quando eu quase me afogava. Eu agarrei e não pretendo soltar fácil não. Encarnei um novo personagem e fui. Não sei de onde tiro coragem todos os dias, não sei, mas de algum lugar ela vem e me leva para um outro mundo.

As vezes, olho para aquelas criaturas e fico pensando se elas tem alguma ideia de quem eu sou. Não, elas não tem. Nem eu tenho mais. Tanto tempo fingindo, mentindo, delirando e me escondendo, me escondendo, me escondendo...Eu não sei mais.

E o abismo? E o primeiro ato? Eu não fiz nada. Ainda. Ainda dilacera a minha alma. Ainda sangra. Ainda me contorço de dor e de ódio. 

O sol nunca voltará enquanto eu não resolver isso. Eu sei. Eu ainda quero um rio de sangue correndo, pelos becos, pelas vielas. O abismo ainda grita. O abismo grita cada vez mais, mais, mais...

O sol voltará a brilhar, eu sei.